Rafaela
via luxo e clareza em automóveis de dois e quatro pneus. Em dias cansados ou
até mesmo de agilidade, gostaria por ventura, de estar instalada no centro do
passageiro ou atentamente, pilotando uma moto. Por via de regras, era a mais
estranha da cidade. Frequentava a melhor escola, mas tinha pouco poder
aquisitivo, poucos amigos e uma sociabilização questionável. Pairavam boatos
que havia enlouquecido depois da morte do pai. Não era bem higienizada. O que
era estranho para os demais e, motivo de piada, era perturbador para ela.
Rafaela adorava caminhadas. Não somente, pela cidade ser pequena e de fácil
locomoção, ia ao centro comprar frutas e verduras, legumes e utilidades domésticas,
ocupando os dois braços, o esquerdo e o direito. Os membros inferiores faziam o
trabalho de mantê-la num estado de completa sincronia entre o andar, o peso que
carregava nos braços e o foco de não deixar-se abalar pela zombaria alheia.
E ao caminho de casa, colegas passavam em seus carros, com o maior valor em diminuir a velocidade do carro, só e unicamente para despreza-la e mostrar o tamanho vexame que estava passando, diante da situação. Visivelmente humilhada, olhava para o próprio corpo, e tentava entender o que havia de errado em andar pelas ruas com sacolas de compras. Pensou em ler a constituição para saber se infringia alguma Lei. De fato, Rafaela achou algo interessante. Todas as sacolas que estava transportando eram de plástico, e há questões importantes sobre substituir sacolas de plásticos por bolsas sustentáveis e demais opções ecológicas.
Na cabeça de Rafaela, andar lhe mostraria o que ninguém poderia notar ou imaginar. E por onde andava, observava. Esse é seu objetivo, quando quer andar e caminhar. Não somente por manter as pernas num trabalho de andar, que é a função original, mas unicamente, aproveitar e observar o horário dos vendedores, o horário certo onde há pouco fluxo de pessoas para não pegar fila no caixa e demais coisas, como comparar preços de alimentos.
Até então, Rafaela sabia que o objetivo de seus colegas, era causar humilhação. Contar para todos que ela era uma farsa... Que ela era unicamente pobre, e fingia para todos que era rica, que tinha um grande poder aquisitivo.
Até
hoje Rafaela não entende, mas sabe, que é ela mesma. Mente quando convém, mas
nunca esconde suas origens. Entretanto, ela sabe, que há sorrateiramente cobras,
querendo lhe causar vergonha e, contar uma história, sobre como eu finjo ser o
que não sou. E é estranho pensar que a única coisa que Rafaela faz, é viver a
vida, e não mostrar uma vida que ela não tem e não vive. Rafaela apenas vive a vida dela... A única diferença é que seus pés estão firmimente fincados no chão, não a deixando flutuar, pois ela sabe que há riscos em brincadeiras de fingir uma vida que não se tem.