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Imagem Ilustrativa
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Catarina
não era minha melhor amiga, nunca foi nada em minha vida. Por isso achei que
não haveria problema conversar com seu noivo. Catarina tinha cabelos longos, um
corpo de menina ingênua e um sorriso esplêndido. Passava perto e não me dava um
oi. Pensei o que havia feito. Nada havia feito. Meninas burras e ingênuas não
fazem parte da minha lista de feridas cicatrizadas. Sou aquela que faz ferida
no coração e pede desculpas no anseio de cicatriza-la, mas ela pareceu-me
diferente. Esse é o meu fascínio. Machuco e logo quero curar. O seu noivo era
tipicamente para viver comigo, uma ou duas noites, uma semana no máximo, mais
que isso podia torna-se paixão. Queria somente ferir o coração de Catarina, não
me pergunte o motivo, és óbvio. Catarina é linda, elegante, simpática, usa as
melhores roupas, o seu cabelo ao natural é mais lindo quando o enfeita, estuda,
e obedece aos pais. Catarina é uma princesa. É tudo que meu horrendo coração
precisa. Ele precisa das lágrimas de Catarina.
O
imprevisível é um desafio, o previsível também. Vesti-me exatamente como ela,
comportei-me exatamente como ela, sai de casa no mesmo horário que ela e fui diretamente para o Jardim da ponte dos apaixonados que fica localizado na praça central. Fui sozinha
como uma pobre menina ingênua. Queria conquistar Catarina, logo mais o seu
verdadeiro amor, e para isso eu precisaria me aproximar. Assim fiz. Observei
que o seu noivo ia comprar pipoca, esperei um pouco e logo fui comprar também.
Precisava olhar para ele, precisava saber se me olhava também. A pipoca era seu
destino, e graças a ele, ao destino, sem querer, esperei ele sair para esbarrar
em meu corpo e cair no chão toda pipoca. E funcionou.
Ele
olhou, pediu desculpas e comprou outra pipoca. Pedi desculpas já que fui na
direção errada e não percebi. Que menina burra sou, disse para ele.
-
Não, foi apenas um descuido meu. Mais uma vez me desculpa.
Consegui
ser vista. E em minha direção, vinha ela. Passamos a noite inteira juntos.
Tornei-me amiga dela. Apresentava desculpas quando era chamada para estudar,
dizia que era proibida de escolher roupas já que meus pais escolhiam e
suspirava de susto quando ela perguntava onde ficava minha casa.
Suja,
desorganizada, e sem educação. Morava sozinha, o atributo de minha vida nem eu
sabia. Por um momento tento resgatar se já fui criança e, logo não me vem nada
em mente. Sou filha de partículas do ar, criada pelo vento, sou filha de quem
quer ser minha mãe, e indivíduo do mundo. Garanto que nome sei escrever, o que
ganhei de herança foi a grande capacidade de mudar a realidade, vestir-me e
maquiar-me bem. Me deram as condições mais favoráveis para aprender a ser
bonita e a sobreviver no mundo. Sei que fui criada por alguém, mas não culto
sentimento algum por quem me criou. Comparada a Catarina não sou nada, logo
quero ser alguém. A depender de minhas percepções é apenas uma brincadeira, a
depender de Catarina, muitas lágrimas.
Logo
tive que contar que ocorreu um incidente na semana seguinte que nos conhecemos
e desisti. Lembrei que não fiz um plano. Encontrei o noivo dela na feira, me
escondi para não me ver. Noutro dia, já estava mais atenta. Educado bem era,
não permitiu que eu levasse tantas frutas, essas que minha mãe havia pedido.
Logo o pedi para parar um pouco distante da esquina de minha casa, e disse que
já era o suficiente, que já estava frente à ela, uma casa totalmente
desconhecida. O momento era fundamental e perfeito para as frutas caírem,
perfeito para sem querer, lhe dar um beijo. Ele cedeu. O seu corpo estava
ardendo em chamas e logo me chamou para sua casa. Disse que não podia ser na
minha, em hipótese alguma já que meus pais lá não estavam e seria constrangedor
um homem comprometido entrar.
Vesti as roupas dela, deitei na cama e me
entreguei ao meu instinto malvado. Machuquei Catarina sem motivo algum.
Esperei
estar grávida para conversar com ela. Chorei contando a Catarina que estava
apaixonada, tão loucamente que havia gerado um amor em meu ventre. Estava
enlouquecida de tristeza e não podia dizer o nome do rapaz. Tão solidária me
abraçou e disse que ficaria comigo, que ele deveria casar.
-
Achas que é o certo? Perguntei.
-
Se o ama e ele a ama, se casem.
O
noivo dela era muito certo, ético, com uma moral bem estruturada. Havia de
entrar na casa dos pais dela para contar a verdade, não sabendo Catarina que
era eu. Ao sentarmos no sofá, Catarina gritou e correu para o quarto. No
momento da conversa, fomos praticamente expulsos e não tive tempo de cicatrizar
o coração de Catarina. Ao chorar de culpa nos ombros de Augusto, lembrei de uma
das que cuidara de mim durante a vida, a mais boa, a que me deixara a casa.
-
Você merece qualquer coisa. O mundo te machucou querida, se quer alguma coisa,
vá e consiga, não importa quem você vá ferir. Se quer algo, se sente que algo é
para ser seu, assim o faça de tudo para conseguir. Destrua até mesmo um
relacionamento para iniciar o seu.
Nos casamos. Quem
cuidara de mim na infância, disse que é preciso fazer coisas para
sobrevivermos, sem importar com quem vamos machucar. Contei a verdade para
Augusto. Disse que meus pais mandavam dinheiro, que eu morava sozinha e que
sentia vergonha de contar realmente sobre minha vida. Ainda colada em seu
corpo, chorando, pedi para que ficasse na casa de seus pais, lhe contaria tudo,
toda a verdade. Meus pais trabalhavam muito para estarem presentes no dia da
cerimônia. Fingi envio de cartas, conseguia dinheiro do próprio Augusto e a
cada mês ele percebia que meus pais diminuíam o valor. Eu, burra e ingênua
menina, chorando no colo de meu amor, enquanto as lágrimas caiam para dentro do
meu feliz sorriso.
Soube que Catarina entrou em uma grande e profunda amargura
e depressão.